terça-feira, 3 de novembro de 2009

Exame da OAB 2009.2 – Consignação ou inquérito?

Posted by Jorge Araujo - 02/11/09 at 01:11 pm

Jorge Alberto Araujo é Juiz do Trabalho, professor universitário e de cursos de pós-graduação. Autor de artigos em revistas jurídicas e jornais, editor deste blog e do Athena de Vento

Um leitor me pede para que eu me manifeste sobre o conteúdo da questão prática da Prova de Direito do Trabalho do Exame Nacional da OAB 2009.2.

Informa ele que a questão despertou uma polêmica entre os estudantes, uma vez que foram identificadas duas peças processuais cabíveis, havendo o temor de que apenas uma delas seja admitida como correta, o que poderia ensejar a reprovação de uma grande quantidade de candidatos. Isso teria, inclusive, gerado uma petição online, pleiteando a anulação da questão.

O enunciado da questão:

José, funcionário da empresa LV, admitido em 11/5/2008, ocupava o cargo de recepcionista, com salário mensal de R$ 465,00. Em 19/6/2009, José afastou-se do trabalho mediante a concessão de benefício previdenciário de auxílio-doença. Cessado o benefício em 20/7/2009 e passados dez dias sem que José tivesse retornado ao trabalho, a empresa convocou-o por meio de notificação, recebida por José mediante aviso de recebimento. José não atendeu à notificação e, completados trinta dias de falta, a empresa LV expediu edital de convocação, publicado em jornal de grande circulação, mas, ainda assim, José não retornou ao trabalho.

Preocupada com a rescisão do contrato de trabalho, com a baixa da CTPS, com o pagamento das parcelas decorrentes e para não incorrer em mora, a empresa procurou profissional da advocacia.

Considerando a situação hipotética acima apresentada, na qualidade de advogado(a) da empresa LV, elabore a peça processual adequada a satisfazer-lhe judicialmente o interesse.

Em primeiro lugar é importante destacar que em momento algum na questão há referência à ocorrência de acidente de trabalho ou o gozo de auxílio-doença acidentário, como bem refere o Edmundo, do Inteligência Jurídica. Observem-se que o art. 118 da Lei 8213/91, exige para configurar a garantia de emprego ali assegurada que o trabalhador tenha sofrido acidente de trabalho e fruído auxílio-doença acidentário.

Art. 118. O segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantida, pelo prazo mínimo de doze meses, a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente de percepção de auxílio-acidente.

Ou seja esta única situação já serviria para excluir a possibilidade de o trabalhador ser destinatário de garantia no emprego.

Ainda que assim não fosse, ou seja se houvesse na questão alguma indicação de que o afastamento se havia dado por acidente de trabalho e fruído o benefício correspondente, o candidato deveria estar atento que o acidente de trabalho não assegura ao trabalhador estabilidade, embora muitas vezes assim se afirme, impropriamente. O que se garante ao trabalhador em tais circunstâncias é a garantia no emprego, ou seja uma segurança maior do trabalhador em relação ao seu posto de trabalho que, no entanto, não é absoluta, podendo o empregador substitui-la por indenização correspondente.

Veja-se que são raras as hipóteses ainda existentes em nosso ordenamento jurídico de estabilidade própria, podendo-se citar o caso do dirigente sindical, que foi assegurada na própria Constituição:

Art. 8º….

VIII – é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei.

Significa que neste caso o empregador está privado, inclusive, de seu poder de dar término ao contrato de trabalho, apenas o podendo fazer o juiz, através do procedimento de inquérito para apuração de falta grave.

No que diz respeito, contudo, à forma como a resolução da questão deverá ser interpretada pelos examinadores, acredito que não se poderá, a rodo, considerar incorreta a opção pelo inquérito.

Há colegas juízes, e eu sou um deles, que se inclinam pela eficácia do inc. I do art. 7º da Constituição, melhor dizendo pela interpretação mais alargada da garantia de emprego ali assegurada à coletividade dos trabalhadores.

Neste quadro não é impossível que alguns magistrados exijam como procedimento correto para que se configure o rompimento de uma relação de trabalho, o ajuizamento do inquérito para a apuração de falta grave, sendo que ao advogado, em especial o trabalhista, em decorrência da oralidade preponderante no processo, é exigido que se preocupe inclusive com elementos extraordinários, até em face do Princípio da Eventualidade.

Assim é muito menos gravoso para a defesa dos interesses do cliente o advogado que erra para mais, apresentando uma peça que exceda as exigências da lide, como é o caso do inquérito para a apuração de falta grave, do que um advogado que o faça para o menos, apresentando uma mera ação de consignação em pagamento quando a situação exigisse um inquérito.

Existindo o inquérito, mas sendo cabível a ação de consignação, se poderia, ante o Princípio da Fungibilidade, se adequar o rito, permitindo-se o fim útil da demanda, o que não poderia ocorrer na situação inversa.

Portanto na minha opinião os candidatos que apresentaram a opção pelo inquérito não merecem ser reprovados, mas sim ter a sua prova corrigida quanto aos seus demais aspectos, no máximo com algum desconto de pontos pela “excesso”.

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